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Riachão - Caricatura de Rodolfo Carvalho
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Riachão nasceu Clementino Rodrigues em Língua de Vaca,
bairro do Garcia, em Salvador. O dia 14 de novembro de 1921 entra para a
história da música baiana como o dia do nascimento de seu sambista mais
representativo. Seu modo peculiar de compor tem características de crônica. Em
suas letras, quase sempre irreverentes, desfila o povo baiano da antiga
Salvador, com suas baianas de acarajé, seus malandros de terno branco e seus
capoeiras atrevidos. O apelido ‘Riachão’, segundo o sambista revelou ao extinto
jornal Diário de Notícias, o acompanha desde a infância: ‘Quando menino, eu
gostava muito de brigar. Mal acabava uma peleja, já estava eu disputando outra.
E aí chegavam os mais velhos para apartar, empregando aquele ditado popular:
você é algum riachão que não se possa atravessar?’.
Sambista Atrevido
Desde os 9 anos de idade, Riachão já cantava nas serenatas
ou nas batucadas do bairro do Garcia. Gostava de batucar em latas d’água. A
primeira composição veio aos 12 anos, um samba sem título que dizia: ‘Eu seu
que sou moleque, eu sei / conheço o meu proceder / deixe o dia raiar que a
minha turma / é boa para batucar’.
Aos 23 anos, ingressa na Rádio Sociedade, onde canta com um
trio vocal no programa de auditório ‘Show Pindorama’, da emissora de rádio
Sociedade AM. O trio de Riachão interpretava de serestas à toadas sertanejas.
Riachão não demora a romper com o trio e se apresentar sozinho – queria, na
verdade, se dedicar apenas ao samba, sob forte inspiração de Dorival Caymmi.
Depois de Caymmi, por sinal, Riachão foi o primeiro
compositor baiano a gravar no Rio de Janeiro, ainda na década de 50. As músicas
foram ‘Meu Patrão’, ‘Saia’ e ‘Judas Traidor’, todas gravadas por Jackson do
Pandeiro.
Ele opta por seguir o caminho do samba irreverente, compondo
sambas bem-humorados como ‘Retrato da Bahia’ e ‘Bochechuda e Papuda’, ganhando
o Troféu Gonzaga com essas músicas. Mais tarde foi gravado pelo cantor Eraldo
Oliveira (‘A Nega não quer Nada’) e pela cantora Marinês (‘Terra Santa’).
Umbigão da Baleia
Entre 1948 e 1959, Riachão compos pérolas como ‘A Morte do
Motorista da Praça da Sé’, ‘A Tartaruga’, ‘Visita da Rainha Elisabeth’ e
‘Incêndio no Mercado Modelo’, verdadeiras crônicas, escritas em linguagem
popular e direta. Na década de 60, um fato inusitado acabou virando samba: uma
baleia chamada ‘Moby Dicky’ veio ser exposta para visitação pública na Praça da
Sé, causando imenso furor entre as crianças. Com o olhar do cronista, Riachão
compos a ‘Umbigada da Baleia’. O senso quase jornalístico de Riachão também
pode ser conferido no samba ‘A Morte do Alfaiate’, também dessa época.
Anos 70 e Registros Fonográficos
Apesar de reconhecido pela crítica e por grandes artistas da
MPB, Riachão não consegue se inserir no mercado. Os shows são raros e são
poucos os registros fonográficos (o único até então era o compacto de 78 rpm de
‘Umbigada da Baleia’, gravado nos anos 60). Por iniciativa de Paulo Lima e da
gravadora Philips, em 75 ele grava um álbum reunindo a nata do samba baiano. O
‘Samba da Bahia’ traz, além de Riachão, os sambistas Batatinha e Panela. Entre
os sambas gravados se destacam ‘Pitada de Tabaco’, ‘Ousado é Mosquito’ e ‘Até
Amanhã’.
Caetano & Gil
Em 1972, Caetano Veloso e Gilberto Gil voltam do exílio em
Londres. Em Salvador, pretendem escolher a música de um compositor baiano para
marcar sua volta ao mercado fonográfico nacional. A escolhida foi ‘Cada Macaco
no seu Galho’, de Riachão, que estourou nas rádios do País. Nos anos de chumbo
da Ditadura Militar, Riachão tem um samba proibido pela Censura. A música se
chamava ‘Barriga Vazia’ e a letra falava da fome: ‘Eu, de fome, vou morrer
primeiro / você, de barriga, também vai morrer um dia’. A notícia da censura
corre a cidade e, num show, no ICBA, em 1976, a platéia universitária exige que
Riachão a cante. O público pede com tanto entusiasmo que os músicos começam a
executá-la e Riachão se vê obrigado a cantar o samba, fato que repercutiu na
imprensa como uma ‘provocação’ do sambista aos militares.
Sonho de Malandro e o Ostracismo
Em 1973 grava o álbum ‘Sonho de Malandro’, patrocinado pelo
Desenbanco em comemoração aos 15 anos da empresa onde trabalhava desde 71. No
disco, predominam os sambas maliciosos que também identificam a sua obra,
temperados com metais, acordeon, flauta, coro de pastoras e até um regional de
choro. Destacam-se as faixas ‘Quando o Galo Cantou’ e ‘Eu também Quero’, que
relata o aparecimento do tíquete-refeição: ‘Essa turma que trabalha muito cedo/
vem a fome que faz medo/ e faz a barriga roncar/ vai no caixa compra tique/
pega tique/ leva o tique/ dá o tique/ para poder almoçar’. O disco, porém, não
emplaca, vende pouco, é mal divulgado. E Riachão cai num relativo ostracismo
artístico, se apresentando apenas para platéias universitárias, no Rio de
Janeiro.
Novo Registro em 2000
Depois de um hiato de quase 20 anos, Riachão grava um CD
somente em 2001, onde o sambista divide as faixas com nomes como Caetano Veloso
(‘Vá Morar com o Diabo’) e Dona Ivone Lara (‘Até Amanhã’), entre outros. Todos
os seus maiores sucessos são registrados.
Discografia
Samba da Bahia (Philipis – 1973) – com Batatinha e Panela
Sonho de Malandro (Tapecar – 1981)