Por: Rodolfo Carvalho
Para os que moram em Salvador o nome Nina Rodrigues acarreta
uma série de sentimentos pouco positivos, devido ao fato deste ser o nome do
Instituto Médico Legal do município. Entretanto, nada se compara em
negatividade ao detentor do nome que homenageia a afamada instituição.
Segundo a professora Drª Lilia Moritz Schwarcz, na sua
interpretação em Um Enigma Chamado Brasil, Nina Rodrigues é intitulado como um
radical do pessimismo e defendia idéias das mais esdrúxulas desde teorias
acerca da miscigenação dos brasileiros até de teorias pseudocientíficas que
afirmavam que negros e brancos diferenciavam-se em graus de qualidade por suas
atribuições genéticas.
Nina, segundo a Drª Schwarcz era uma figura paradoxal,
conhecido como o primeiro antropólogo brasileiro e estudar os descendentes dos
povos africanos, era também o homem que defendia diferenças ontológicas entre
as etnias afirmando uma “degeneração da raça” por conta da mestiçagem. Mesmo na
época suas teorias forma de difícil aceitação por serem consideradas demasiado
radicais, por usufruir de aspectos do darwinismo social, com teorias antropológicas
hoje consideradas datadas para classificar diferenças entre grupos criando um
modelo segregador social.
É sabido, é claro que o determinismo de diversas ordens era
predominante no período do Dr. Nina Rodrigues e que suas teorias assimilavam-se
com diversas outras em semelhantes na época.
O doutor estudava o darwinismo de maneira literal, negava o
evolucionismo social e adotava a criminologia de Lombroso como fator que
corroborava com suas teorias, diferente de colegas contemporâneos como Tobias
Barreto e Silvio Romero que defendiam a perfectibilidade possível a qualquer
grupo humano.
Era radical, também em confrontar colegas do Direito que
eram acusados por ele de terem idéias ultrapassadas referentes ao ato
investigativo legal. Além disso afirmava que a criminalidade carregava
relatividade e associava este fator à teoria da imputabilidade, ou seja, devem
ser cobradas responsabilidades de determinadas “raças” enquanto que de outras
não se deve cobrar o que não possuem.
Não bastassem as livres declarações de Nina Rodrigues, suas
idéias foram lançadas numa tentativa de perpetuação na publicação de livros de
sua autoria que defendiam suas idéias raciológicas. São essas obras A Raças Humanas e a Responsabilidade Penal
no Brasil (1894), Negros Criminosos
(1895), O Regicida Marcelino Bispo
(1899), Mestiçagem, Degenerescência e
Crime (1899). Obras que marcaram a sua carreira e revelavam este lado
racista que via a criminalidade fruto da mestiçagem.
Defendia códigos penais segregados de acordo com a
inclinação étnica e que aplicava penas atenuantes aos de mestiçagem evidente.
Obviamente, era uma medida pessoal que ele assumia com suas teses baseadas em
“estudos de caso” alimentadas pela bibliografia determinista da época. Uma
postura um tanto severa diante dos ex-escravizados que, agora na republica, se
viam livres do regime escravocrata e estavam em pé de igualdade social com seus
antigos senhores e, portanto deveriam ser aplicada para eles, uma “justiça”
baseada no “crime relativo” que implicava a “raça” como atenuante do ato criminal sendo assim,
passiva de pena mais severa. Parece loucura mas Nina queria levar isso além das
fronteiras de sua teoria e lutava para conseguir aplicar isso em caráter
oficial.
Um trecho que tomo a liberdade de mencionar aqui da
Professora Lilia é assustadoramente impressionante do ponto de vista social, em
como o doutor era ávido em implementar suas teorias raciológicas:
(...)“O cientista passa então a alardear os perigos
possíveis: ‘ou punir sacrificando o principio do livre arbítrio ou respeitar
esse principio, detrimentando a segurança social’. O tema implicava ‘segurança
nacional’ e cabia ao médico social alertar a nação. Mais juma vez, o médico
apela para uma relatividade de cunho evolucionista e especifica como crimes são
involuntários em certas raças inferiores, e que não se pode julga-los com os
códigos de ‘povos civilizados’.”(...)
Nina ataca, também Silvio Romero que em sua frase “Todo
brasileiro é mestiço senão no sangue pelo menos nas idéias”, pois dada a
divisão feita por Nina Rodrigues dos brasileiros em grupos distintos como
brancos, negros, vermelhos e mestiços, subdividindo em caboclos, mamelucos,
cafuzos ou curibocas e pardos afirma que não há “identidade racial” na
mestiçagem e, portanto, são propensos assim, à criminalidade. Ainda defendia
que as chamadas “raças puras” estavam fadadas a serem extintas.
Segundo Nina, o cruzamento de “raças inferiores” e
“superiores” levariam a degeneração social pois defendia que o negro jamais
poderia ser considerado como detentor de um valor semelhante ao do branco.
Quando ele associa sua teoria ao fato de que os mestiços nascem com a
predisposição ao crime, alimenta as teorias de Cesare Lombroso sobre o
criminoso nato.
Falando um pouco sobre a obra póstuma de Nina Rodrigues, Os
Africanos no Brasil, houve muita turbulência. O próprio Mário de Andrade afirma
que havia contaminação por conta do racialismo da época e mesmo com a tentativa
na década de 30 Arthur Ramos tentar adocicar o conteúdo trocando termos como
“raça” por “cultura” a obra foi execrada por muitos e considerada de extremo
radicalismo. Nina aborda em sua obra o chamado “problema negro” e usa termos
como “esfinge do nosso futuro”. Era controverso em afirmar que apesar de
abominar a escravidão não se podia ficar a mercê do ódio de uma geração.
Era uma época de epidemia de cólera, febre amarela e
varíola. A chamada “missão higiênica” convocava os médicos do país surgindo
assim, após a Guerra do Paraguai a figura do médico político fruto das duas
maiores escolas de medicina do Brasil, Rio de Janeiro que focava na doença e
Bahia que focava no doente. A partir daí abriu-se campo para a aplicação do
modelo lombrosiano de criminalidade associado à raça explicando a dita
degeneração racial.
Nina marcou sua época e seus ideais e teorias foram
devidamente datados fruto da evolução científica e embora no texto da
professora Lilia seja dito” resta saber, porém o que deva ser datado”, acredito
que toda a trajetória de Nina Rodrigues e suas teorias deterministas, embora
baseadas nos estudos biológicos deterministas devam ficar guardados em sua
redoma raciológica não contaminando os avanços biológicos e sociais que a
contemporaneidade nos traz, fruto de lutas na sociedade e nas ciências em
questão. É importante que possamos segregar somente o segregador e não o que
nos une enquanto seres humanos, sociais e vivos.
Referências
BOTELHO, André, SCWARCZ, Lilia Moritz. Um Enigma Chamado
Brasil. Companhia das Letras. São Paulo. 2009.
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