segunda-feira, 4 de março de 2013

Nina Rodrigues e o Racismo Assumido

Por: Rodolfo Carvalho



Para os que moram em Salvador o nome Nina Rodrigues acarreta uma série de sentimentos pouco positivos, devido ao fato deste ser o nome do Instituto Médico Legal do município. Entretanto, nada se compara em negatividade ao detentor do nome que homenageia a afamada instituição.

Segundo a professora Drª Lilia Moritz Schwarcz, na sua interpretação em Um Enigma Chamado Brasil, Nina Rodrigues é intitulado como um radical do pessimismo e defendia idéias das mais esdrúxulas desde teorias acerca da miscigenação dos brasileiros até de teorias pseudocientíficas que afirmavam que negros e brancos diferenciavam-se em graus de qualidade por suas atribuições genéticas.


Nina, segundo a Drª Schwarcz era uma figura paradoxal, conhecido como o primeiro antropólogo brasileiro e estudar os descendentes dos povos africanos, era também o homem que defendia diferenças ontológicas entre as etnias afirmando uma “degeneração da raça” por conta da mestiçagem. Mesmo na época suas teorias forma de difícil aceitação por serem consideradas demasiado radicais, por usufruir de aspectos do darwinismo social, com teorias antropológicas hoje consideradas datadas para classificar diferenças entre grupos criando um modelo segregador social.

É sabido, é claro que o determinismo de diversas ordens era predominante no período do Dr. Nina Rodrigues e que suas teorias assimilavam-se com diversas outras em semelhantes na época.  O doutor estudava o darwinismo de maneira literal, negava o evolucionismo social e adotava a criminologia de Lombroso como fator que corroborava com suas teorias, diferente de colegas contemporâneos como Tobias Barreto e Silvio Romero que defendiam a perfectibilidade possível a qualquer grupo humano.

Era radical, também em confrontar colegas do Direito que eram acusados por ele de terem idéias ultrapassadas referentes ao ato investigativo legal. Além disso afirmava que a criminalidade carregava relatividade e associava este fator à teoria da imputabilidade, ou seja, devem ser cobradas responsabilidades de determinadas “raças” enquanto que de outras não se deve cobrar o que não possuem.

Não bastassem as livres declarações de Nina Rodrigues, suas idéias foram lançadas numa tentativa de perpetuação na publicação de livros de sua autoria que defendiam suas idéias raciológicas. São essas obras A Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil (1894), Negros Criminosos (1895), O Regicida Marcelino Bispo (1899), Mestiçagem, Degenerescência e Crime (1899). Obras que marcaram a sua carreira e revelavam este lado racista que via a criminalidade fruto da mestiçagem.

Defendia códigos penais segregados de acordo com a inclinação étnica e que aplicava penas atenuantes aos de mestiçagem evidente. Obviamente, era uma medida pessoal que ele assumia com suas teses baseadas em “estudos de caso” alimentadas pela bibliografia determinista da época. Uma postura um tanto severa diante dos ex-escravizados que, agora na republica, se viam livres do regime escravocrata e estavam em pé de igualdade social com seus antigos senhores e, portanto deveriam ser aplicada para eles, uma “justiça” baseada no “crime relativo” que implicava a “raça”  como atenuante do ato criminal sendo assim, passiva de pena mais severa. Parece loucura mas Nina queria levar isso além das fronteiras de sua teoria e lutava para conseguir aplicar isso em caráter oficial.

Um trecho que tomo a liberdade de mencionar aqui da Professora Lilia é assustadoramente impressionante do ponto de vista social, em como o doutor era ávido em implementar suas teorias raciológicas:

(...)“O cientista passa então a alardear os perigos possíveis: ‘ou punir sacrificando o principio do livre arbítrio ou respeitar esse principio, detrimentando a segurança social’. O tema implicava ‘segurança nacional’ e cabia ao médico social alertar a nação. Mais juma vez, o médico apela para uma relatividade de cunho evolucionista e especifica como crimes são involuntários em certas raças inferiores, e que não se pode julga-los com os códigos de ‘povos civilizados’.”(...)

Nina ataca, também Silvio Romero que em sua frase “Todo brasileiro é mestiço senão no sangue pelo menos nas idéias”, pois dada a divisão feita por Nina Rodrigues dos brasileiros em grupos distintos como brancos, negros, vermelhos e mestiços, subdividindo em caboclos, mamelucos, cafuzos ou curibocas e pardos afirma que não há “identidade racial” na mestiçagem e, portanto, são propensos assim, à criminalidade. Ainda defendia que as chamadas “raças puras” estavam fadadas a serem extintas.

Segundo Nina, o cruzamento de “raças inferiores” e “superiores” levariam a degeneração social pois defendia que o negro jamais poderia ser considerado como detentor de um valor semelhante ao do branco. Quando ele associa sua teoria ao fato de que os mestiços nascem com a predisposição ao crime, alimenta as teorias de Cesare Lombroso sobre o criminoso nato.

Falando um pouco sobre a obra póstuma de Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, houve muita turbulência. O próprio Mário de Andrade afirma que havia contaminação por conta do racialismo da época e mesmo com a tentativa na década de 30 Arthur Ramos tentar adocicar o conteúdo trocando termos como “raça” por “cultura” a obra foi execrada por muitos e considerada de extremo radicalismo. Nina aborda em sua obra o chamado “problema negro” e usa termos como “esfinge do nosso futuro”. Era controverso em afirmar que apesar de abominar a escravidão não se podia ficar a mercê do ódio de uma geração.

Era uma época de epidemia de cólera, febre amarela e varíola. A chamada “missão higiênica” convocava os médicos do país surgindo assim, após a Guerra do Paraguai a figura do médico político fruto das duas maiores escolas de medicina do Brasil, Rio de Janeiro que focava na doença e Bahia que focava no doente. A partir daí abriu-se campo para a aplicação do modelo lombrosiano de criminalidade associado à raça explicando a dita degeneração racial.

Nina marcou sua época e seus ideais e teorias foram devidamente datados fruto da evolução científica e embora no texto da professora Lilia seja dito” resta saber, porém o que deva ser datado”, acredito que toda a trajetória de Nina Rodrigues e suas teorias deterministas, embora baseadas nos estudos biológicos deterministas devam ficar guardados em sua redoma raciológica não contaminando os avanços biológicos e sociais que a contemporaneidade nos traz, fruto de lutas na sociedade e nas ciências em questão. É importante que possamos segregar somente o segregador e não o que nos une enquanto seres humanos, sociais e vivos.


Referências

BOTELHO, André, SCWARCZ, Lilia Moritz. Um Enigma Chamado Brasil. Companhia das Letras. São Paulo. 2009.

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